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Oficina Regional Sudeste do PNSR destaca o rural como sujeito que merece atenção

por Tatiana Adriano e Laura N. Pimenta

Quando a gente fala de saneamento básico, a gente tá falando de água, tá falando de produzir água, tá falando de produzir lixo, tá falando de eliminar esses problemas que tá lá nas comunidades. Então quando a gente tem um espaço como esse, pra poder discutir e debater, a gente tá avançando pra uma qualidade de vida dos nossos trabalhadores, dos nossos agricultores, da população do campo em geral (Alaíde Moraes, FETAEMG)

A Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais que, em dezembro de 2016, sediou a Oficina Nacional do PNSR, entre os dias 05 e 07 de junho voltou a ser palco para os debates acerca do saneamento básico. Contudo, dessa vez, o foco foi outro: os desafios, fortalezas, ameaças e oportunidades para o saneamento rural na região sudeste.

Representantes de órgãos públicos das três esferas (municipal, estadual e federal), de prestadoras de serviço, dos movimentos sociais, de instituições de ensino e pesquisa e entidades civis de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo reuniram-se para planejar uma política de saneamento rural diante de vertentes estratégicas – gestão, tecnologia, educação e participação – englobando o manejo de águas pluviais, os resíduos sólidos, o esgotamento sanitário e o abastecimento de água.

Alexandre Pessoa, professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), durante a abertura do encontro, afirmou que: “a regionalidade é fundamental devido às suas peculiaridades. O saneamento está aliado ao enfrentamento das doenças, mas, para além disso, ele é melhoria da qualidade de vida, promoção da saúde, garantia de direitos, além de uma série de outros elementos intersetoriais.”

O saneamento rural na região sudeste

O sudeste do Brasil é conhecido por suas altas concentrações demográficas, urbanísticas e econômicas. Contudo, é pouco falado que ao unirmos a população presente em aglomerados rurais de extensão urbana, terras indígenas e povoados  desta região totalizam-se 9.327.835 habitantes. São 783 assentamentos rurais, que abrigam 43.447 famílias (INCRA, 02/2017), além de 402 comunidades quilombolas (FCP, 2016) e 27 terras indígenas, com mais de 18 mil habitantes (Censo 2010). Um dos problemas enfrentados por essas comunidades consideradas rurais pelo PNSR é a invisibilidade do rural – abordagem recorrente ao longo dos três dias de oficina.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010, prevalece nas áreas rurais da região Sudeste do país a utilização de poços ou nascentes como fonte de abastecimento de água, sendo que 57% dos moradores possuem canalização interna em suas residências e 17% sem canalização interna. No que se refere ao esgotamento sanitário, a maior parte da população rural da região utiliza fossa rudimentar (53%). As fossas sépticas aparecem na segunda colocação, com 19%. Quanto aos resíduos sólidos, a principal solução adotada pelos moradores é a queima (57%). Cerca de 20% dos moradores possuem acesso à coleta de resíduos por serviço de limpeza, diretamente ou em caçambas.  

Ao trazer o exemplo do saneamento nas comunidades rurais mineiras, Alaíde Lúcia Bagetto Moraes, da Coordenação Estadual das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), enfatizou a falta de políticas públicas e de apoio para o desenvolvimento de ações no setor.


O rural possui muitas necessidades. Qua
ndo falam da população rural parece que o rural não produz lixo, que o rural não produz esgoto. Nós também precisamos de uma política de saneamento rural. Vocês falam do lixo, mas o que nós temos que fazer? Temos que queimar. Se não for assim vamos jogar ele aonde? Não temos quem recolhe o nosso lixo. Nós vamos amontoar o lixo? Nós não temos outra solução no momento que não seja essa.  Onde vamos jogar os dejetos produzidos em nossas casas? A maioria possui em suas casas a fossa séptica seca, alguns municípios tem alguma coisa de fossa séptica já construída pelo próprio município, que faz o recolhimento, mas ainda é muito pouco. (…) Como vamos fazer para que o rural tenha um olhar diferenciado? Somos sujeitos do campo, mas somos sujeitos como outro qualquer. Como vamos fazer para que ele seja enxergado como sujeito, do mesmo jeito que outro sujeito qualquer? Ou seja, tudo o que o sujeito urbano produz o rural também produz. Sim, nós produzimos tudo da mesma forma. A gente não consegue enxergar como o campo ainda conseguiu sobreviver sem nenhuma política que realmente atenda a população. Eu falo que é um desafio, um desafio para cada gestor, até porque ainda não conseguiu resolver as questões do saneamento urbano, então que dirá o do rural

Já Gabriela Vieira Capobiango, da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, ressaltou experiências positivas que têm acompanhado nos projetos de extensão da Universidade:

Por trabalhar muito com extensão, eu enxergo que a Zona da Mata passa por um processo social muito forte de partir dos agricultores, de partir da população de construir soluções para o saneamento rural de várias formas. Eu vejo que alguns municípios estão fazendo isso de forma diferente, a companheira Maria de Fátima puxou a construção de várias fossas, correm atrás das prefeituras, das associações. Então esse povo tá sentindo na pele a necessidade de ter soluções para o saneamento rural.

A fala de Gabriela é confirmada pelo relato de Camila Freitas Teixeira, estudante de licenciatura de educação do campo da UFV, membro da  comunidade do Caxixe, cidade de Cajuri, da Zona da Mata Mineira, e da Rede Nós de Água. Camila relata que

“na comunidade do Caxixe, na região da zona da mata, o saneamento não existe assim como uma responsabilidade do poder público. Mas, as propriedades sempre trataram seus dejetos de alguma forma. E hoje a gente traz outras tecnologias. A gente trabalha com a fossa de evapotranspiração, a gente tem uma fossa biodigestora, que a gente fez com material reciclado”.

Colocando o saneamento rural em debate

A homenageada da etapa sudeste das oficinas regionais do PNSR foi Cidona, uma agricultora do Assentamento Franco Duarte em Jequitinhonha/MG, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e da Cáritas Diocesana de Almenara. Nacionalmente conhecida por sua luta pela liberdade, Cidona defendia a alegria popular, a coragem da classe trabalhadora e, principalmente, a força feminina diante das lutas sociais. Coincidência ou não, questões de gênero foram recorrentes na Oficina.

De forma democrática, durante os três dias de trabalho foram levantadas as fraquezas, forças, debilidades e oportunidades do saneamento rural nesta região do país. Em vários momentos, a atuação do Estado perante o saneamento rural foi salientada, sendo apontada como desarticulada, fragmentada e desordenada.

No que se refere aos resíduos sólidos, a ausência de uma política que abarque as formas de descarte do lixo ganhou ênfase, deixando claro a carência de informações e de estratégias que solucionem a questão, afinal de contas, a queima dos dejetos precisa deixar de ser um hábito. Outro ponto que emergiu foi a expansão do urbano sobre o rural, pois muitos participantes salientaram o quanto isso descaracteriza o ambiente e ignora a história, as necessidades e práticas das comunidades tradicionais. Os impactos da mineração também foram pauta, visto que a poluição e os rejeitos gerados nas suas atividades prejudicam a água, o ambiente e a qualidade de vida dos moradores das regiões próximas à exploração.

Os participantes também destacaram as responsabilidades dos vários atores que compõem o saneamento rural. Primeiramente dos representantes políticos, que são eleitos para representar os anseios e atender as demandas do povo. Sendo assim, foi cobrado o compromisso dos órgãos das três esferas governamentais de garantirem saneamento rural de qualidade. Além disso, foi pedido que a população participe ativamente dessa luta para que os resultados sejam eficazes, afinal de contas, a mobilização, conscientização e foco são agentes poderosos diante da causa.

Houve um consenso de que é necessário que as pessoas que estão participando do planejamento das estratégias do Programa também colaborarem na implementação das ações de saneamento rural, compartilhando as melhores práticas e envolvendo a população em todo o percurso. Para isso, é preciso envolver as comunidades, realizando rastreamento de suas capacidades, gerando um espaço maior para o diálogo, trocas de experiências e conhecimentos semelhante ao ocorrido durante a Oficina.

Se tivéssemos que sintetizar os três dias de trabalho em uma palavra seria empatia. Empatia para ouvir e se colocar no lugar outro, entender os desafios e assumir as responsabilidades para construir um bem comum, um bem que assegura o direito de milhões de pessoas. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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