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As relações de gênero e o saneamento: um estudo de caso envolvendo três comunidades rurais brasileiras

Por Laura Pimenta e Bárbarah B. Silva

A necessidade de se realizar um estudo sobre a relação intrínseca que as mulheres – especialmente as de áreas rurais – têm com as atividades referentes ao saneamento, sobretudo o abastecimento de água, esgotamento sanitário e o manejo dos resíduos sólidos, levou a estudante de mestrado do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais, Bárbarah Brenda Silva, a desenvolver uma pesquisa que lançasse luz sobre estas questões.

Com o título “As relações de gênero e o saneamento: Um estudo de caso envolvendo três comunidades rurais brasileiras”, a dissertação da pesquisadora foi orientada pela professora doutora Sonaly Rezende e teve como objetivo principal investigar as relações de gênero e suas interfaces com as ações de saneamento, em um contexto macro, envolvendo as políticas públicas brasileiras, e em um contexto micro, a partir da realidade sanitária de três comunidades rurais selecionadas para o estudo.

A pesquisa foi dividida em duas etapas que constituíram dois objetivos específicos: 1) Investigar o status de políticas públicas brasileiras específicas, com enfoque na área rural, buscando elementos que remetam ao saneamento e áreas afins e/ou gênero, a fim de dar destaque às relações de gênero, na constituição da política pública de saneamento rural; 2) Caracterizar ações voltadas para o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o manejo dos resíduos sólidos na rotina das famílias estudadas, visando identificar padrões comportamentais na realização dessas tarefas pelos integrantes do domicílio: se existem funções prioritariamente exercidas por mulheres ou por homens, com especial interesse nos domicílios com indisponibilidade de soluções para o atendimento das demandas sanitárias.

Por meio de técnicas qualitativas embasadas na Grounded Theory, foram utilizados os dados coletados em duas comunidades rurais da macrorregião nordeste brasileira, Barreiro Amarelo e Nova Esperança, na Bahia, e no Assentamento Pontal do Buriti, localizado em Goiás.

Meninas brincam com pedaços de ferro retirados do lixo – Assentamento Serra Negra – PE

No que diz respeito às políticas públicas e aos marcos legais de saneamento, a pesquisa apontou que as relações de gênero ainda não são consideradas: a intrínseca relação das mulheres com o ambiente em que vivem ou, ainda, as ações desempenhadas por elas – capazes de promover maior nível de preservação e sustentabilidade – são apontadas no Plano Nacional de Política para as Mulheres, contudo, aspectos específicos das atividades relacionadas ao saneamento não são contemplados. Já, a Política Nacional de Saúde Integral dos Povos do Campo e da Floresta, avança ao considerar a questão do saneamento e, sobretudo, ao entender que o saneamento rural brasileiro possui muitas especificidades que merecem a devida atenção, dentre elas as que permeiam as relações de gênero, embora não seja estabelecida uma correlação entre os serviços de saneamento e essas questões.

Sobre as ações cotidianas concernentes ao saneamento, o trabalho de campo nas comunidades consideradas ressaltou a relação mais próxima das mulheres com tais atividades, seja como as executoras das ações, ou como as maiores impactadas por sua precariedade e ou ausência. Quem destina tempo e esforço físico na busca diária pela água são as mulheres, o que reduz o tempo de lazer e descanso, ou para dedicação a outras atividades produtivas. Tal tarefa, realizada debaixo de sol forte e por longas caminhadas, acarreta problemas na saúde e postura, o medo de violência e o desgaste emocional.

Moradora desenhando sua casa – Barra de Oitis PB

No domicílio, as mulheres são as responsáveis pelo tratamento da água, sua separação para os diversos usos e a higiene da casa. Quando a quantidade ou a qualidade não são suficientes, recai sobre elas uma maior dificuldade para realização das atividades quotidianas e a responsabilidade no suprimento mínimo de água para sua família, especialmente para os filhos.

Em relação ao esgotamento sanitário, nas localidades onde a defecação ocorre a céu aberto as mulheres salientaram o medo do ataque de animais, o medo da violência, a vergonha, o desconforto e as dificuldades para realizar a higiene como pontos nevrálgicos. Nas comunidades onde há banheiros, elas são as responsáveis pela sua limpeza. Quanto aos resíduos sólidos, embora sejam elas as responsáveis por afastá-los do domicílio e reaproveitar os materiais recicláveis, geralmente são os homens que executam a queima, nos fundos das próprias casas.

A dissertação defendida por Bárbarah evidencia a estreita relação que as mulheres têm com o saneamento e ressalta os desafios que se apresentam para a implantação de tecnologias sociais que as contemplem. Ademais, deixa clara a necessidade de se fomentar estratégias mais equânimes e resolutivas, que promovam maior segurança, dignidade e qualidade de vida para todas as mulheres.

Acesse aqui a dissertação completa.

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