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A invisibilidade feminina nas ações de saneamento rural

Por Bárbarah Silva

Desigualdades de gênero existem em todos os países e em vários aspectos da vida social, inclusive na forma como homens e mulheres acessam, administram e se beneficiam da água, do esgotamento sanitário e das ações de higiene (NAÇÕES UNIDAS, 2016).

Nas áreas rurais brasileiras estas desigualdades são identificadas principalmente quando analisadas as formas como os homens e as mulheres interagem com as ações relacionadas à ausência de saneamento. Enquanto os homens geralmente realizam as atividades que demandam maior técnica, como a construção das soluções (de abastecimento de água e ou esgotamento sanitário, por exemplo), e a sua manutenção estrutural, cabe às mulheres a tarefa diária de coletar a água, tratá-la, e armazená-la e, ainda, gerenciar o seu uso no nível domiciliar. No que tange à ausência de esgotamento sanitário, geralmente são as mulheres que, além de sofrer com a falta de privacidade, se deparam com a limpeza das instalações, geralmente precárias, quando estas existem, e ainda, com a tarefa de levar crianças para defecar e urinar no mato, em locais sem qualquer solução sanitária.

Menina carregando baldes de água, Barra de Oitis – PB

E, embora invisível, as mulheres desempenham um papel fundamental na gestão do saneamento a nível domiciliar (e comunitário), pois são elas quem conhecem, de antemão, as principais demandas e necessidades relacionadas ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário e ao manejo dos resíduos sólidos no contexto onde vivem. Em contrapartida, os debates e o planejamento acerca das soluções sanitárias a serem aplicadas nas áreas rurais, raramente levam em consideração as diferentes necessidades dos gêneros. Nesse sentido, cumpre destacar alguns dos diversos aspectos, entre eles:

  • a necessidade de se buscar água fora do domicílio, em chafarizes, poços ou açudes, requer, das mulheres, tempo e energia, que poderiam ser gastos em outros tipos de atividades produtivas, educativas e recreativas;
  • o intenso desgaste físico de se caminhar sob sol forte para coletar a água, os problemas na saúde e postura advindos de tal atividade, o medo de violência e o desgaste emocional gerados;
  • a vergonha e o constrangimento gerados pela necessidade de defecar a céu aberto ou em estruturas que não oferecem conforto e privacidade, principalmente no período noturno;
  • as dificuldades na realização de uma higiene adequada, seja pela disponibilidade hídrica, ou pelo desgaste aumentado no período menstrual, quando não há solução sanitária ou estas são inadequadas;
  • o esforço na realização das atividades quotidianas relacionadas ao domicílio e ao cuidado com os filhos, quando a água é de baixa qualidade ou insuficiente para atender às demandas básicas.

Idosa voltando da roça de mandioca – Aldeia Halataikwa, TI Enawenê-Nawê– MT

As pesquisas de campo realizadas em áreas rurais brasileiras pelo PNSR, em 2016, remontam à estreita relação das mulheres com o saneamento e o seu reconhecimento como o principal agente transformador na sociedade, uma vez que seu conhecimento e experiência muito podem agregar para o debate acercad as soluções sanitárias necessária e adaptadas para o rural brasileiro. Sempre que questionados sobre quem (homens ou mulheres) seria mais impactado por soluções ausentes ou precárias de saneamento, era entonado com firmeza: “São as mulheres!”.

A origem histórica da dedicação feminina a este tipo de tarefa também foi bastante mencionada nas entrevistas realizadas, destacando-se a manutenção do contexto social e da ordem estabelecida pelas gerações:

“Desde pequena, eu buscava água aqui. (…) eu nem sei mais quantos quilômetros de distância, mas era longe. Dá mais de uma hora. Ia a pé e trazia na cabeça. (…) Tinha que ser cedo, senão a gente não aguentava. Tinha hora que as crianças iam e traziam um balde… aliviava mais.” (Relato de moradora da comunidade Barreiro Amarelo).

O fato é que quando pensamos em saneamento rural é incoerente não agregar às soluções a serem implantadas as demandas daquelas que ainda são as mais impactadas pela ausência do saneamento. Políticas e programas com estratégias claras e coerentes, voltadas para as mulheres, deveriam ser mais resolutivas, promover maior equidade, segurança, conforto e qualidade de vida.

Referência:

NAÇÕES UNIDAS. Relatório do Relator Especial sobre o direito humano à água potável segura e ao esgotamento sanitário. Conselho de Direitos Humanos. Trigésima Terceira sessão. Item 3 da Agenda: Promoção e proteção de todos os direitos humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, inclusive o direito ao desenvolvimento. Julho, 2016.

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